Como foi criada a heterossexualidade como a conhecemos hoje
O dicionário médico Dorland, de 1901, definiu a heterossexualidade como “um apetite anormal ou pervertido em relação ao sexo oposto”.
De Brandon Ambrosino para a BBC Future (11/06/2017)
Mais de duas décadas depois, em 1923, o dicionário Merriam Webster definia a orientação sexual como “paixão sexual mórbida por alguém do sexo oposto”. Apenas em 1934 a heterossexualidade teve o significado atualizado: “manifestação de paixão sexual por alguém do sexo oposto”.
Pessoas costumam reagir com incredulidade ao conhecer essas definições: “Isso não pode ser verdade”, dizem. A sensação é de que a heterossexualidade sempre “esteve presente”.
Há alguns anos, circulava na internet um vídeo de um homem que perguntava às pessoas na rua se achavam que homossexuais nascem com essa orientação sexual. As respostas variavam, mas a maioria dizia que era uma “combinação de natureza e criação”.
O entrevistador então fazia outra pergunta na sequência, fundamental ao experimento: “Quando você decidiu ser hétero?” A maioria confessou nunca ter pensado nisso.
Ao sentir que seus preconceitos ficaram à mostra, as pessoas acabavam concordando com o ponto do entrevistador: as pessoas nascem gays, assim como nascem heterossexuais.
O vídeo parecia sugerir que todas as sexualidades “simplesmente estão aí”, ou seja, não precisamos de uma explicação para a homossexualidade assim como não precisamos de uma para a heterossexualidade.
Parece não ter passado pela cabeça dos produtores do vídeo, ou das milhões de pessoas que o compartilharam, que precisemos de uma explicação para ambas.
Há trabalhos muitos bons, tanto acadêmicos quanto populares, sobre a construção social do desejo e da identidade homossexuais. Na verdade, a maioria de nós aprendeu que a identidade homossexual passou a existir em um momento específico da história humana. O que não aprendemos porém, é que um fenômeno parecido aconteceu com o surgimento da heterossexualidade.
Há várias razões para essa omissão educacional, incluindo viés religioso e outros tipos de homofobia. Mas a principal razão pela qual não fazemos perguntas sobre a origem da heterossexualidade é provavelmente porque ela parece natural. Normal.
Mas a heterossexualidade não “estava simplesmente presente” desde sempre. E não há por que imaginar que sempre estará.
Quando a heterossexualidade era anormal
A primeira contestação de que a heterossexualidade foi inventada geralmente envolve um apelo à reprodução: parece óbvio que o sexo entre genitais diferentes existiu desde o início da humanidade – e não teríamos sobrevivido até aqui sem isso. Mas essa contestação presume que heterossexualidade é a mesma coisa que sexo reprodutivo. Não é.
“O sexo não tem história”, escreve o teórico queer David Halperin, professor da Universidade de Michigan, “porque é baseado no funcionamento do corpo”. A sexualidade, por outro lado, tem uma história, precisamente porque é uma “construção cultural”.
Em outras palavras, enquanto o sexo parece ser algo programado na maioria das espécies, a nomeação e classificação desses atos e de quem os pratica é um fenômeno histórico que pode e deve ser estudado como tal.
Em outras palavras: sempre houve instintos sexuais no mundo animal (sexo). Mas em um momento específico na história, os humanos criaram significados para esses instintos (sexualidade). Quando humanos falam sobre heterossexualidade, estamos tratando da segunda definição.
Hanne Blank trouxe uma maneira útil de discutir isso em seu livro Hétero: A Surpreendentemente Curta História da Heterossexualidade, com uma analogia da história natural.
Em 2007, o Instituto Internacional para Exploração das Espécies listou o peixe Electrolux addisoni na lista das “top 10 novas espécies” do ano. Mas é claro que essas espécies não passaram simplesmente a existir havia dez anos – foi apenas quando elas foram descobertas e cientificamente nomeadas.
“Documentos escritos de um certo tipo, por um certo tipo de autoridade, transformaram o Electrolux de uma coisa que já existia para uma coisa que ficou conhecida”, conclui Blank.
Algo parecido aconteceu com os heterossexuais, que, ao final do século 19, passaram da mera existência para o conhecimento público. “Antes de 1868, não havia nenhum heterossexual”, escreve Blank. Nem homossexuais.
Os humanos não haviam pensado ainda que eles poderiam ser diferenciados entre si de acordo com o tipo de amor ou desejo sexual que sentiam. Comportamentos sexuais, é claro, haviam sido identificados e catalogados, e até proibidos em certos momentos. Mas a ênfase estava no ato, não em quem o praticava.
Então o que mudou?
A linguagem. No final dos anos 1860, o jornalista húngaro Karl Maria Kertbeny criou quatro termos para descrever experiências sexuais: heterossexual, homossexual e dois termos que hoje não são usados mas que na época descreviam masturbação e bestialidade, monossexual e heterogenit.
Kertneby usou o termo heterossexual uma década depois quando foi convidado a escrever um capítulo de um livro a favor da descriminalização da homossexualidade. O editor do livro, Gustav Jager, decidiu não publicá-lo, mas acabou usando os termos de Kertneby em um livro que ele publicou em 1880.
A vez seguinte em que a palavra foi publicada foi em 1889, quando o psiquiatra austríaco-alemão Richard von Krafft-Ebing a incluiu em um catálogo de “doenças sexuais” chamado Psicopatia Sexualis. Mas, em quase 500 páginas, a palavra “heterossexual” é usada apenas 24 vezes, e nem sequer consta no índice.
Isso se deu porque Krafft-Ebing estava mais interessado em “instinto sexual contrário” (“perversões”) do que em “instinto sexual”, sendo que o último é o que ele considerava “normal” em termos de desejo sexual de humanos.
“Normal” é uma palavra cheia de significado, e foi usada de maneira errônea na história. A ordenação hierárquica de raças que levou à escravidão já foi aceita como normal, assim como a cosmologia geocêntrica. Os fundamentos desses consensos vistos como fenômenos normais perderam suas posições de privilégio apenas após serem alvo de questionamentos.
Para Krafft-Ebing, desejo sexual normal estava situado em um contexto maior de utilidade de procriação, uma ideia que combinava com as teorias dominantes sobre sexo no Ocidente. No mundo ocidental, muito antes dos atos sexuais serem divididos em hétero e homo, já havia uma ordem binária: sexo procriativo e não-procriativo.
A Bíblia, por exemplo, condena o sexo homossexual pela mesma razão que condena a masturbação: porque a “semente” é desperdiçada no ato.
Enquanto essa visão foi amplamente ensinada, mantida e reforçada pela Igreja Católica e depois por outras religiões cristãs, é importante sublinhar que ela não vem originalmente das escrituras judaicas ou cristãs, mas do estoicismo – doutrina fundada por Zenão de Cício (335-264 a.C.) que se caracteriza por uma ética em que a eliminação das paixões e a aceitação do destino são características do homem sábio.
Como a teórica católica Margaret Farley explica, os estoicos “tinham fortes pontos de vista sobre o poder dos humanos de regular emoções e sobre o desejo dessa regulamentação para encontrar a paz interior”. O filósofo estoico Musonius Rufus, por exemplo, argumentava que as pessoas deveriam se proteger contra autoindulgências, incluindo excesso sexual.
Para evitar sua indulgência sexual, diz o teólogo Todd Salzman, Rufus e outros estoicos tentaram classificá-la em “um contexto mais amplo de significado humano” – argumentando que o sexo só poderia ser moral se buscasse a procriação. Antigos teólogos cristãos adotaram essa ética conjugal-reprodutiva e o sexo reprodutivo virou a única forma normal de sexo já época de Agostinho (354-430).
Apesar de Krafft-Ebing tomar essa lógica procriativa como natural, ele a expandiu bastante. “No amor sexual, o verdadeiro propósito do instinto, a reprodução da espécie, não é consciente”, escreveu.
Em outras palavras, o instinto sexual contém algo como um objetivo reprodutivo programado – um objetivo que está presente até mesmo nos que fazem “sexo normal” e não o percebem.
Em seu livro A Invenção da Heterossexualidade, Jonathan Ned Katz vê um grande impacto na abordagem de Krafft-Ebing. “Ao colocar o reprodutivo separado do inconsciente, Krafft-Ebing criou um espaço pequeno e obscuro onde uma nova forma de prazer começou a se desenvolver.”
A importância desse movimento – de instinto reprodutivo para desejo erótico – não pode ser diminuída, já que é crucial para as noções modernas de sexualidade.
Em geral, quando as pessoas hoje pensam em heterossexualidade, imaginam algo como: João sabe desde muito pequeno que é eroticamente atraído por garotas. Certo dia ele canaliza essa energia erótica em Suzana e ele a conquista. O casal se apaixona, dá expressões sexuais e físicas aos seus desejos eróticos e os dois vivem felizes para sempre.
Sem o trabalho de Krafft-Ebing, essa narrativa talvez nem fosse considerada “normal”. Não havia qualquer menção, mesmo que implícita, à procriação. Definir instinto sexual como normal de acordo com desejo erótico foi uma revolução fundamental para pensar sobre sexo.
O trabalho de Krafft-Ebing deu base para uma mudança cultural que aconteceu entre a definição de 1923 de heterossexualidade como “mórbida” para a de 1934 como “normal”.
O sexo e a cidade
Ideias e palavras frequentemente são produtos de sua época. Esse certamente é o caso da heterossexualidade, que nasceu em um momento em que a vida americana estava ficando mais regulamentada. Segundo afirma Blank, a invenção da heterossexualidade corresponde com o surgimento da classe média.
No final do século 19, as populações nas cidades na Europa e na América do Norte começaram a explodir. Em 1900, por exemplo, a cidade de Nova York tinha 3,4 milhões de moradores – 56 vezes sua população apenas um século antes.
Conforme as pessoas se mudavam para os centros urbanos, traziam consigo suas “perversões sexuais”. Ao menos era o que parecia. “Em comparação com os vilarejos rurais, as cidades pareciam antros de excessos sexuais”, escreve Blank.
Quando as populações nas cidades eram menores, diz Blank, era mais fácil controlar esse tipo de comportamento, assim como era mais fácil controlá-lo quando acontecia em áreas rurais onde a familiaridade entre vizinhos era uma norma. A fofoca das cidades pequenas podia ser um grande motivador.
Devido ao conhecimento maior dessas práticas sexuais em paralelo com o fluxo de classes mais baixas às cidades, “a culpa pelo comportamento sexual urbano impróprio geralmente era jogada sobre as classes mais baixas”, diz Blank.
Era importante para uma classe média emergente se diferenciar desses excessos. A família burguesa precisava de uma forma de proteger seus membros da “decadência aristocrática por um lado e dos horrores da cidade lotada do outro”. Isso demandava “sistemas reproduzíveis e universalmente aplicáveis para uma administração social que pudesse ser implementada em larga escala”.
No passado, esses sistemas podiam ser baseados na religião, mas o “novo Estado secular exigia uma justificativa secular para suas leis”, diz Blank. Aí entram especialistas como Krafft-Ebing, que deixou claro que a classe média ascendente não podia considerar o desvio da sexualidade normal (hétero) como simplesmente um pecado, mas como uma degeneração moral – um dos piores rótulos que alguém poderia ter então.
“Chame um homem de ‘canalha’ e você define seu status social”, escreveu William James em 1895. “Chame ele de ‘degenerado’ e você o colocou no grupo mais repugnante da raça humana”. Como diz Blank, degeneração sexual se tornou uma régua para medir as pessoas.
A degeneração, afinal de contas, era o processo contrário do darwinismo social. Se o sexo procriador era fundamental para a evolução contínua das espécies, desviar dessa norma era uma ameaça para toda a sociedade. Por sorte, esse desvio poderia ser revertido, se fosse observado cedo o bastante, pensavam os especialistas da época.
A formação da “inversão sexual” acontecia, para Krafft-Ebing, em vários estágios e era curável já no primeiro. “Krafft-Ebing enviou uma mensagem clara contra a degeneração e a perversão. Todas as pessoas com dever cívico deveriam se tornar observadoras”, escreve Ralph M. Leck, autor do livro Vita Sexualis.
E isso certamente era uma questão de civilidade: a maioria do efetivo colonial vinha da classe média, que era grande e estava em crescimento.
Freud
Apesar de Krafft-Ebing ter ficado relativamente conhecido, foi Freud quem deu ao público maneiras científicas de pensar sobre sexualidade. Por mais que seja difícil reduzir as teorias do médico a algumas frases, seu maior legado é a teoria psicossexual do desenvolvimento, segundo a qual as crianças desenvolvem suas sexualidades por meio de uma dança psicológica elaborada dos pais.
Para Freud, heterossexuais não nascem assim, mas são feitos assim. Como diz Katz, a heterossexualidade para Freud foi uma conquista, aqueles que a conquistavam com sucesso navegavam por seu desenvolvimento infantil sem sair da linha.
Ainda assim, como diz Katz, exigia muita imaginação classificar essa navegação em termos de normalidade. Segundo Freud, o caminho convencional para a normalidade heterossexual é pavimentado com o tesão incestuoso do menino e da menina pelo pai ou mãe, com o desejo das crianças de assassinar seus rivais – ou seja, o pai no caso do menino e a mãe no caso da menina – e com o desejo de exterminar qualquer irmão ou irmã rivais.
Ou seja, a estrada para a heterossexualidade é pavimentada de tesão e desejo de sangue. A invenção do heterossexual, na visão de Freud, é uma criação profundamente perturbada.
O fato dessa visão de Édipo ter sobrevivido por tantos anos, assim como a explicação para a sexualidade normal, “é uma das maiores ironias da história da heterossexualidade”, diz Katz.
Ainda assim, a explicação de Freud parecia satisfazer a maioria do público, que, continuando com sua obsessão com a regulação sobre todo e qualquer aspecto da vida, aceitou de bom grado a nova ciência sobre a normalidade.
Essas atitudes tiveram um novo embasamento científico com o trabalho de Alfred Kinsey, cujo estudo Comportamento Sexual do Macho Humano, de 1948, classificava a sexualidade dos homens em uma escala de zero (exclusivamente heterossexual) a seis (exclusivamente homossexual).
Suas descobertas o levaram a concluir que grande parte da população masculina “tem ao menos uma experiência homossexual entre a adolescência e a idade avançada”.
Enquanto o estudo de Kinsey ampliou as categorias de homo e hétero ao permitir um certo contínuo sexual, ele também “reafirmou enfaticamente a ideia de que a sexualidade é dividida entre dois polos”, como diz Katz.
O futuro da heterossexualidade
Essas categorias permanecem até hoje. “Ninguém sabe exatamente por que heterossexuais e homossexuais seriam diferentes”, escreveu Wendell Rickets, autor do estudo Pesquisa Biológica sobre Homossexualidade, de 1984.
A melhor resposta que temos é um tanto tautológica: “Heterossexuais e homossexuais são considerados diferentes porque eles podem ser divididos em dois grupos com base na crença de que eles podem ser divididos em dois grupos”.
Apesar da divisão hétero/homo parecer eterna e um fato indestrutível da natureza, ela não o é. Trata-se meramente de uma gramática recente que os humanos inventaram para falar sobre o que o sexo significa para nós.
A heterossexualidade, afirma Katz, “é inventada no discurso como algo que está fora do discurso. Ela é construída como se fosse um discurso que é universal e fora da temporalidade”. Ou seja, é uma construção, mas é apresentada como se não fosse.
Como qualquer filósofo francês ou criança com um lego poderá lhe dizer, qualquer coisa que foi construída pode ser desconstruída também. Se a heterossexualidade não existia no passado, ela não precisa existir no futuro.
Jane Ward, autora de Not Gay (“Não Gay”, em tradução livre), questiona o futuro da sexualidade.
“O que significaria pensar sobre a capacidade das pessoas para cultivar seus desejos sexuais da mesma maneira em que cultivam um gosto por uma certa comida?”
Apesar da preocupação de alguns com a possibilidade de uma fluidez sexual, é importante lembrar que vários argumentos na linha Born This Way (“eu nasci assim”, em tradução livre) não são aceitos por boa parte dos cientistas.
Eles não sabem exatamente qual é a “causa” da homossexualidade e eles certamente rejeitam qualquer teoria que proponha uma origem simples, como um “gene gay”.
Desejos sexuais, como todos os nossos desejos, mudam e são reorientados ao longo de nossas vidas – e é o que eles fazem, frequentemente nos sugerem novas identidades. Se isso for verdade, então a sugestão de Ward de que podemos cultivar preferências sexuais parece fazer sentido.
Por trás da pergunta de Ward há um desafio sutil: se estamos desconfortáveis com o quanto de poder temos – se é que temos algum – sobre a nossa sexualidade, qual é o motivo? Da mesma maneira, por que estaríamos desconfortáveis ao questionar a crença de que a homossexualidade, e por extensão a heterossexualidade, são verdades eternas da natureza?
Em uma entrevista ao jornalista Richard Goldstein, o romancista e dramaturgo James Baldwin disse ter fantasias boas e ruins sobre o futuro. Uma das boas era que “ninguém teria que se definir como gay”, um termo para o qual Baldwin dizia não ter paciência. “Ele responde a um argumento falso, a uma acusação falsa”, dizia.
Que acusação é essa?
“A de que você não tem o direito de estar aqui, que você precisa provar seu direito de estar aqui. Eu estou dizendo que não tenho o que provar. O mundo também pertence a mim.”
Era uma vez em que a heterossexualidade era necessária porque os humanos modernos precisavam provar quem eram e por que eram, e eles precisavam defender seu direito de estar ali. Conforme o tempo foi passando, porém, esse rótulo parece na verdade limitar o leque de maneiras pelas quais os humanos entendem seus desejos, amores e medos.
Talvez essa seja uma razão pela qual uma pesquisa britânica recente descobriu que menos da metade dos jovens de 18 a 24 anos se identificam como “100% heterossexual”.
Isso não sugere que a maioria desses jovens sejam bissexuais ou homossexuais, mas que eles não precisem mais desse termo como as gerações passadas precisavam no século 20.
Debates a respeito de orientação sexual tendem a focar em um conceito mal definido de “natureza”. Porque o sexo entre genitais diferentes geralmente resulta na reprodução da espécie, damos a ele um status moral especial.
Mas a “natureza” não nos revela nossas obrigações morais – somos responsáveis por determiná-las, mesmo quando não percebemos que estamos fazendo isso. Como observou o filósofo David Hume, pular de uma observação de como é a natureza para uma fórmula do que a natureza deve ser é uma falácia lógica.
Por que julgar o que é natural e ético para um ser humano de acordo com sua natureza animal? Muitas das coisas que os humanos valorizam, como medicina e arte, não são naturais. Ao mesmo tempo, humanos detestam muitas coisas que são naturais, como doenças e morte.
Se considerarmos alguns fenômenos naturais como éticos e outros como não-éticos, isso significa que as nossas mentes (os que observam) estão determinando o que fazer com a natureza (o que é observado). A natureza não existe em algum lugar “lá fora”, independentemente de nós – sempre estamos interpretando-a de dentro dela.
Até este momento da história do planeta, a espécie humana se multiplicou por meio do coito de sexos diferentes. Cerca de um século atrás, demos significados específicos a esse tipo de relação sexual, parcialmente porque queríamos encorajá-las.
Mas o nosso mundo está bastante diferente hoje. Tecnologias como a implantação de diagnóstico genético e fertilização in vitro (FIV) estão sendo cada vez mais desenvolvidas. Em 2013, mais de 63 mil bebês nasceram a partir de FIV. Na verdade, mais de cinco milhões de crianças nasceram através de tecnologias reprodutivas. Esse número ainda mantém esse tipo de reprodução como minoria, mas toda evolução tecnológica começou com os números contra ela.
Socialmente, também, a heterossexualidade está “perdendo terreno”. Se havia um tempo em que indiscrições homossexuais eram o escândalo do dia, mudamos para um outro mundo cheio de casos heterossexuais de políticos e celebridades, com fotos, mensagens de texto e vários vídeos de sexo. A cultura popular está repleta de imagens de relações e casamentos heterossexuais disfuncionais.
Além disso, entre 1960 e 1980, a taxa de divórcio aumentou em 90%, lembra Katz. E enquanto ela caiu consideravelmente durante nas últimas três décadas, ela não se recuperou ao ponto em que seja possível falar que “instabilidade de relacionamento” seja algo exclusivo dos homossexuais, diz Katz.
A tênue linha entre heterossexualidade e homossexualidade não é apenas borrada, como alguns interpretam a partir da pesquisa de Kinsey – é uma invenção, um mito, que já está defasado, diga-se. Homens e mulheres continuarão fazendo sexo entre genitais diferentes até o fim da espécie humana. Mas a heterossexualidade enquanto marcador social, estilo de vida e identidade pode morrer muito antes disso.